quarta-feira, setembro 28, 2011

Douce France



Não preciso nem dizer que franceses têm uma péssima reputação. Worldwide. Sendo eu mesma franco-brasileira, compreendo alguns dos motivos pelos quais eles têm essa má-fama mas certas coisas só um français de chez français pode entender. Deus sabe que eu tentei.

Em 2008, recém chegada em Paris, resolvi fazer um programa um tanto quanto clichê: com queijo e vinho na mão, fui na padaria comprar uma baguette tradition. Engraçado como o "Bonjou-ouuur" estridente da moça atrás do balcão é I-G-U-A-L em qualquer padaria da França inteira.
Nunca consegui chegar à uma conclusão sobre esse assunto, mas de duas uma: ou ele é um pré-requisito pra entrar na escola de padeiros ou vale nota. E com um peso enorme.
A famosa boulangère (outro pré-requisito: cabelos cujos tons variam entre louro platina e louro veneziano) pergunta: "Et avec ceciii?"
Eu, meio atordoada, olho para os lados, acho que aquilo é o nome de algum pain-au-chocolat na moda. E ela me encarando, com aquele biquinho bem francês e piscando os olhos muito rápido (sinal de impaciência na terra de Napoleão). Resposta:
- Pardon?
- Et avec Ceci, madame? diz ela, bufando ainda discretamente; quase um suspiro na verdade
- Non, je ne suis pas avec Ceci, je suis seule. Até porque eu não conheço nenhuma Ceci.

Silence

- Madame, sinto muito mas eu não entendi o que você quer dizer!
- VOCÊ VAI QUERER ALGUMA OUTRA COISA ALÉM DO PÃO???? Et avec ceci, voilà quoi!
A ficha cai.
- Euh, non merci.

Bom, depois de desfrutar dessa sublime simplicidade culinária e da sua casa nova (sim, todos os 16 m2), você resolve ir passear, aproveitar Paris no verão - afinal são 7 da noite e ainda tá um sol só! E aí você flana, por uma cidade linda, banhada de uma luz maravilhosa, inspirando o ar. E tosse.
Você chega até o Sena, olha aquele salgueiro que toca a água, com a Notre Dame de plano de fundo e começa a perceber que já fazem 5 min. que você escuta barulhos estranhos: "rohhhhhhhhh", "p'taiiin", "pfouuuu", etc. Sim, são as pessoas reclamando atrás de você porque você está bloqueando a passagem delas e elas têm mais pressa do que o coelhinho da Alice em dia de decaptição. Por causa disso e porque você está feliz.

Sim porque em Paris não é a cidade onde reina o bom-humor, é o mau-humor que contagia. Já tentou pedir desculpas para alguém no metrô, depois de ter pisado no pé dela sem querer?
Vizualise: Linha 1, você a caminho dos Champs-Elysées, vagão tá cheio, você se aperta entre outras mil pessoas que têm um ponto em comum: o cecê. A porta abriu, ninguém saiu, 3 romenas, 2 alemães e 5 freiras entraram (Station *Louvre-Rivoli, attention à la marche en descendant du train*). Você entra na sua posição (já habitual) de origami. Nesse momento, enquanto você se ajeita, pisa no pé de alguém e quando vai, num ato consolador, passar a mão no ombro da pessoa para pedir desculpas, ela te olha como se isso fosse um crime inafiansável. Sério gente, não toquem em franceses desconhecidos! #conselhodeamiga. Eles iam achar mais agradável você olhar e falar:
- Bemfeito.

Falando em bem feito, uma coisa eu não posso reclamar da França: o pastis. Mais conhecido como 51 (vejam só a ironia), o pastis é uma bebida alcóolica de aniz (antes que vocês façam caretas, sugiro que experimentem num dia de calor). E nada melhor do que depois das compras, ir encontrar com os seus amigos "pour prendre l'apéro".

Numa terasse, em pleno verão (sim, são 20h e ainda tá dia!), você chama o garçon: *rotina mímica de qualquer brasileiro boêmio". O garçon te olha, faz "pffff"e vira de costas. Atordoado, yet again, você levanta, atravessa o terraço, entra no bar, vai até o balcão e pede:
- Oui, bonjour, ça serait possible de vous commander un pastis, s'il vous plaît?
Tradução literal da autora: Sim, boa noite, será que seria possível eu pedir um pastis, por favor?
- Non, mais je ne suis pas votre chien, quand mêmeuuhh!
Você tá achand' que eu sô seú cachorreuhhh? (sim, tinha que ter o sotaque)
- Mais ça veut dire quoi, ça?
Que que você tá querendo dizer com isso? (Obs: na França, só sobrevive quem tem uma tough skin, lá ganha-se um argumento seguindo dois princípios básicos: quem consegue bater boca inutilmente por mais tempo e quem consegue levantar mais a voz)
- Vous me faites des signes comme si j'étais votre chien et je ne suis PAS votre chien!
Você tave fazend' signais come se eu fosse o seu cachorre, e eu NON sou o seu cachorre!
- Oh, ça va, heim!?
Vaitomarnocú polido.

Depois de algum tempo ele finalmente traz o seu pastis. Sem gelo. Quando o papo tá rumando para outra coisa do que "cultura geral", seus amigos pedem a conta porque eles têm planos pro jantar. E você não foi convidado. Porque o apéro é o happy-hour com hora marcada: de 18h à 20h ou das 20h às 22h (depende da boemia dos seus amigos). #cortatesão

Chegando em casa, ainda esbaforido de todos os 6 andares que você teve que subir de escada, você repensa nesse primeiro dia de imersão cultural; e a conclusão, meus amigos, sempre é a mesma: Paris é uma cidade maravilhosa e a França um país fantástico, só que você precisa ser francês pra enteder - é o que eles chamam de "2º grau". Eu chamo de mau-humor.

Um comentário:

  1. kkkkkkkkkkkkkk muito bom este post. Lembre-me de le-lo antes de ir a Paris... E nossa, que arrogância esse povo hein??

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