terça-feira, junho 04, 2013

A história de Lily Braun




 Me lembro como se fosse ontem do dia em que nos conhecemos: eu tinha 14 anos e ele um perfume doce, desses que dá vontade de experimentar. Foi numa festa, ele já era bem popular em alguns círculos mais rebeldes e eu fiquei desconcertada pela desenvoltura que ele provacava nas pessoas, naquela cena que parecia de filme...

No começo, foi meio estranho, me incomodou. Pra ser bem sincera foi desagradável. Mas, com o passar do tempo, ficamos cada vez mais próximos e cada encontro se tornou melhor. Evoluimos, paramos com as brincadeiras de criança e crescemos juntos. Ele ganhou espaço na minha vida, ocupou o meu tédio e sempre esteve ali para mim - alegrias, tristezas, insônias, bebedeiras. Eu e ele, ele e eu. Ele, que a cada despedida me deixava sem ar.
Me lembro específicamente de uma noite que passamos juntos lá em casa. Meus pais estavam viajando, colocamos Brel pra tocar, acendemos e lareira e abrimos um vinho. Aquele momento foi só nosso, um momento de liberdade onde o olhar preocupado dos pais não poderia recair sobre nós. Sem culpa, estávamos juntos, livres.
Coisas aconteceram e, por vezes, nossos encontros eram secretos. Sempre excitantes mas a paranóia que se instalava depois, de alguém reconhecer o seu cheiro em mim, era terrível. Briguei diversas vezes com a minha mãe - que sempre foi contra nossa relação. Tivemos uma conversa, eu e ele. Assumimos nosso caso. Muitos nos olhavam torto, outros ainda me chamaram de burra. Alguns o descreviam como se fosse o demônio. E isso, é claro, afeta qualquer relação. Não posso dizer que nunca brigamos. Quem não briga? Mas elas eram rápidas e antes de me dar conta, já estávamos de novo ali, naquele enlace. Eu precisava dele.

Outros amigos acolheram a gente. Talvez por se reconhecerem um pouco nos nossos hábitos ou por tolerarem a diferença. Juntos, conhecemos pessoas interessantíssimas - poetas malditos, artistas transgressores, arlequins anarquistas, enfim, pessoas que tinham essa vontade de mudar o mundo ou pelo menos a vontade de pensar o mundo em coletivo, de outra maneira. E tudo começava ali, todos nós juntos, debatendo, refletindo por intermédio dele. Me fascinava (e ainda fascina!) a facilidade que ele tem de instituir o silêncio como pausa necessária para a organização mental, para conseguirmos pensar na lógica argumentativa... Que dom, meu deus!

Ele, que tanto me proporcionou, fiel escudeiro e amigo generoso, foi vítima da mais comum e aleatória fatalidade: a vida. As coisas já não estavam tão bem entre nós, confesso que em grande parte por minha causa. Eu queria parar um pouco, pensar e ele não me deixava dar um tempo. Sentamos os dois juntos, eu com uma citação de Kerouac em mãos, ele mudo, ali, se consumindo, me consumindo:

Ventos poderosos que partem os galhos de novembro! - e o sol brilhante e calmo, intocado pelas fúrias da terra, que abandona a terra à escuridão e ao desamparo selvagem, e à noite, enquanto homens tremem em seus casacos e correm para casa. E então as luzes dos lares se acendem naquelas profundezas desoladas. Mas há as estrelas!, que brilham no alto de um firmamento espiritual. Vamos caminhar ao vento, absortos e satisfeitos em pensamentos maldosos, em busca de uma repentina e sorridente inteligência da humanidade abaixo dessas belezas abismais. Agora a fúria turbulenta da meia-noite, o ranger de nossas portas e janelas, agora o inverno, agora a compreensão da terra e de nossa presença nela: esse teatro de enigmas e duplos sentidos e pesares e alegrias solenes, essas coisas humanas na vastidão elemental do mundo açoitado pelo vento.

Jack Kerouac, 12 de novembro de 1947




Num domingo de junho à noite, senti o vento e o inverno. E eles trouxeram a inquietude, a vontade de me liberar do que tinha se tornado um vício. Eu li para ele aquelas palavras e, resoluta, terminei: com toda triste poesia que cabe numa ruptura, apaguei o que foi o último cigarro da minha vida.

6 comentários:

  1. Muito bom, Clarinha!!! I forgot how well you write. =) Saudades! Te amo!!!

    Beijos,
    Carol Barki

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    1. Taiol linda, muita SAUDADE de voce tambem!!
      Quando eu for pra BSB vamos combinar de catch up - you and me, me and you? Love you too, bb!!

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  2. Uhuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!!! Outra briga talvez?? Hope not!!! E o primo dele??

    Tô achando q ressaca do feriado foi braba, hein?!! ahahahah!!!

    Adorei o texto e a notícia Rones! Bem diferente dos outros que sempre tinham uma pitada de ironia.

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  3. Estou muito orgulhosa de vc! Muito mesmo! Lindo texto e atitude mais ainda. Love you.
    Beijos,
    Ana

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  4. je découvre ce blog et tes talents avec plaisir =) !!!
    La nouvelle aussi est bonne, félicitations.
    j'attends avec impatience le jour où tu arrêteras l'alcool =)
    Um beijo linda.
    Dan

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